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FÊNIX

Daqui, séculos e mais séculos de história me dizem bom dia ...
Chegar ao topo não foi o mais difícil – tampouco o mais importante ou o que me deixou mais feliz. Difícil é resistir ao chamado do tempo que repousa nas planícies, abaixo, e não saltar no abismo para um vôo sem retorno.
Abismos ... O inebriante fascínio de rodopiar na borda – seja ela a borda de um penhasco, ou a porta de um abismo negro. O fascínio da vertigem ...
Eu voaria de encontro ao tempo que preenche este abismo, este vale longo e quase sem fronteiras, e tocaria a eternidade, nem que por apenas um instante – se não fosse o medo, que corta-me as asas.
Aliás, do ponto de vista dos pássaros, o pouso deve ser mais atemorizante do que o salto no abismo. Voar não é desafio, pelo menos não depois do primeiro passo no desconhecido.
Já pousar é nos rendermos à nossa inevitável necessidade da terra – é ser vencido, em mais uma batalha, voltar à casa materna quando já se acredita que quem se lança no abismo pode tudo; pois não pode ...
O vôo no abismo pode ser o primeiro ato de infinita coragem, e o último de breve insensatez, mesmo para os pássaros – que são tragados de volta ao solo pelo cansaço, reduzidos ao seu simples lugar de prisioneiros.
Prisioneiros do mesmo abismo ...


Foi tudo um erro.
A loucura que se abateu sobre Vert, nosso navegador, causou tudo. Ele foi exigido demais, desde que aquela falha no programa de retorno à Terra o obrigou a assumir “no braço”, como diriam os antigos, o nosso retorno.
Já não era nossa primeira volta da base terrestre em Marte – e quantas outras equipes fizeram o mesmo, ao longo dos pouco mais de 10 anos de colonização do planeta. Mesmo sendo da geração mais avançada da frota nossa nave falhou em um momento crucial – e por pouco não ficamos sem perceber a falha na programação e nos perdemos pelo sistema. Vert, sempre atento, sentiu que o costumeiro céu da volta para casa parecia ser visto de outro ângulo naqueles dias.
Vert, então, assumiu a volta. Eu e Crika fizemos de tudo para auxilia-lo, mas sabíamos pouco do trabalho de navegação – que Vert fazia sem retoques.
Cinco dias sem um momento de sono, olhos fixos nos instrumentos, transformaram Vert em um farrapo, que ainda tinha a responsabilidade de nos levar para casa. Lembrei de minha mãe, perdendo noites de sono para dar ao filho o melhor de si.
Agora, minha mãe era um homem – que não podia falhar ...


Estupefatos, vimos Vert se levantar de sua cadeira – após sete dias de trabalho ininterrupto – e simplesmente esbofetear o equipamento em uma acesso de fúria devastador.
Com muito custo consegui controla-lo, mas Vert parecia um cão raivoso. Quando sua energia pareceu acabar, ele chorou, como uma criança sem presentes na noite de Natal.
- Eu nos matei, Francis! Eu nos matei!
Chorava e repetia a mesma frase, como um texto decorado, até conseguir dormir. Ainda devíamos estar longe da Terra, e ele precisava de um descanso para fazer o resto da jornada.
Fiquei com o plantão, mas adormeci. Acredito que dormi por apenas alguns instantes – frações de segundo em que tudo pode acontecer. Quando voltei a mim, só tive tempo de ver alguém em um traje espacial flutuando fora da nave.
- Crika! Crika! Vamos, acorde!
- O que foi, não dá nem pra descansar um pouco?
- O Vert se ejetou ...
- O quê? Que loucura é essa?
Crika levantou em um pulo e quase rompeu a escotilha.
- Vert! Não, você não podia te feito isso ... Meu Deus!
- Não podemos fazer mais nada, Crika. Se um de nós tentar traze-lo de volta, vai vagar pelo espaço como ele, sem destino.
- Mas por que essa loucura!? Meu Deus, por quê?
O silêncio cobriu a nave – sabíamos que, tanto quanto Vert, nós vagávamos sem destino. A Terra era só utopia, quando todo o espaço nos servia de abismo, em um vôo cego.
- Talvez ele esteja ao alcance dos nossos comunicadores, Crika.
- Isso! Vamos tentar, pelo menos. A freqüência é esta! Vert! Vert! Responda, se puder ouvir, responda por favor, Vert!
- Crika, é você?
- Vert, fale comigo!
- Crika, estou voando ... a morte é linda!
- Não, Vert, não! O que houve? Por que essa viagem sem volta?
- Eu matei vocês, Crika, matei ... Eu te amo, não posso viver sabendo que te matei. Eu te amo!
- Mas eu estou viva, Vert! Eu estou viva, sentindo a mesma dor que você. Por que você fugiu, quando eu queria você comigo?
- Não fugi, só não posso ver você morrer – eu não agüentaria sua dor. Eu errei e você vai morrer – Não, eu não posso!
- O que houve? O que você fez, Vert?
Houve um silêncio que encheu de eternidade o momento. O tempo estava acabando – para nós e para Vert.
- Crika, não me odeie ...
- Nunca, eu não posso te odiar.
- Os instrumentos estão travados – vocês estão indo em direção ao sol. Deus! Vocês vão virar uma grande tocha – tudo culpa minha! Não sei o que houve, juro que não sei!
- Podia ter conserto ...
- Não, não tinha. E eu não posso ver você morrer.
Crika caiu no chão da nave. O mundo desabara com ela, e eu junto. Vert estava longe e nós inoperantes – seguindo pelo abismo.


- Você ainda pode me ouvir, Crika?
Ela podia, mas não conseguia falar ...
- Crika, serei tocha antes de vocês! Estou rodopiando – lá embaixo tem um planeta. Deve ser a Terra – ainda é azul! Sempre quis pular de penhascos ... A queda é livre mesmo aqui, Crika. É tudo tão ... negro ... negro, como um abismo. Vou morrer – será antes de você, então te espero no céu. Ah! Meu Deus! Eu já estou no céu – que loucura, o céu é tão bom e nem sei se estou à direita ou à esquerda do Criador ... – Ele delirava, de uma forma cada vez mais intensa. Crika sentia a dor do ser amado, como se fosse sua – Crika? Estou caindo ... É um abismo que não termina, um vazio terrível! Me ajude! Eu não quero cair, Crika. Eu te amo, não quero cair!
Olhei pela escotilha. Sentia na pele cada palavra de Vert – sabia que não estávamos seguindo rumo ao Sol e sim mantendo uma mesma distância do planeta azul, a nossa casa.
- Crika, levante! Vamos, levante, menina! Acho que Vert não errou ... estamos orbitando a Terra.
- E de que adianta, heim!? Ele está lá fora, morrendo porque acha que errou.
- Ele devia estar tão cansado que pensou ter errado nos cálculos, quando na verdade acertou.
- Não temos como salvá-lo? Ele já está tão próximo ...
- Não ... Só podemos falar com ele, aliás, você pode. É a você que ele ama.
A sempre altiva Crika, que tantas vezes vi passar pelos corredores da nave com seu porte ao mesmo tempo leve e imponente, agora chorava. Frágil. E eu a admirava ainda mais por isso.
- Vert, fale comigo! Estou aqui.
- Não me deixe agora, Crika. Eu sou covarde, tenho medo da morte. Vou queimar – será que vai ser rápido? Me ajude!
- Não te deixo mais ... posso te ver daqui.
- Então faz um pedido quando eu virar estrela ... Francis, amigo, fala comigo também. Não fique bravo por eu ter mandado vocês para a fogueira.
- Vert, nós estamos em órbita. Você acertou, irmão – nos trouxe de volta para casa. Você devia estar tão cansado que pensou ter errado o programa.
- É verdade, Francis? Vocês vão descer? Deus – que bom! Então vou chegar em casa primeiro. Crika! Olha pra mim! Está quente, tão quente ... será o inferno?
- Vert, Vert ... – ela conseguiu apenas sussurrar.
- Quando você chegar lá embaixo, junte minhas cinzas, Crika. Faz de mim uma Fênix. Eu te amo, lembre disso!


Foi tão rápido.
Não consegui ficar olhando a queda livre daquele que havia nos levado para casa. Crika sim. Ela contou até três e fez um pedido, como Vert queria.
Descemos suavemente na costa da Austrália e fomos rastreados por um submarino inglês que estava na região. Quando botamos os pés no chão poeirento de uma cidadezinha portuária não havia cinzas.
Crika não chorou mais. Era o seu jeito de dizer a Vert que ele havia se tornado a Fênix – dentro dela.
Vert renascia em cada pássaro que passava, desavisado, por nossos olhos.
Tínhamos voltado à Terra – a mesma prisão de sempre da qual Vert se libertou saltando no abismo ...


Também fiz um pedido – e Vert, sempre amigo, não me negou. Agora estou aqui, no topo do mundo, contemplando o tempo, que parou diante dos meus olhos.
Quase posso tocar o abirmo.
Quase posso voar;


Mas voar é para os pássaros ...


(Parte do livro "Viajante noturno", de William Mendonça, disponível para download gratuito em www.williammendonca.com. Direitos reservados.)

 
   
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