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As correntes da ética ambiental - por que conhecê-las?

Como é possível estancar o processo progressivo de destruição da natureza que teve início na Revolução Industrial e que, a partir daí, se aprofundou e continua nos dias de hoje? Não há respostas prontas. Conhecer, mesmo sem muitos aprofundamentos, as correntes de pensamento que falam da relação do homem com a natureza pode ajudar muito, principalmente aqueles engajados na luta por uma sociedade sustentável. Neste sentido, sugiro a leitura de Correntes da Ética Ambiental (Pelizzoli, 2002). O livro permite uma atualização sobre a diversidade de visões e posturas que se desenvolveram nas últimas décadas sobre ética e ecologia. É uma leitura que recomendo; seguem abaixo algumas informações rápidas sobre o conteúdo da obra.

A primeira corrente que Pelizzoli destaca é aquela que se baseia nas ideias liberais que, para ele, produzem uma ética utilitarista, pois valorizam o indivíduo naturalmente competitivo e a sua liberdade para competir. Para os liberais a concorrência e a competitividade são necessárias ao aprimoramento da economia e da sociedade. Esta forma de ver o comportamento econômico, que sobrevaloriza a competição e minimiza o papel da cooperação, pode ser perigosa, pois pode conter uma ética neodarwinista implícita, que afirma que o mais forte vence e tem o direito natural sobre o que conquistou. Trata-se de uma visão ideologizada da luta pela vida que há na natureza.

Em relação às crises sociais e ambientais, os liberais podem adotar posturas reformistas ou conservadoras. Os conservadores preocupam-se em demasia com o crescimento da população. Eles têm certa razão, pois o excesso de população pode agravar situações de pobreza e de destruição da natureza; o problema é o excesso de foco na abordagem populacional, que acaba desenvolvendo posturas neomalthusianas, culpando os pobres pela sua situação de pobreza. Todavia, eles se mostram preocupados com os desmatamentos em curso nos países do Terceiro Mundo. Acreditam que a tecnologia pode resolver os problemas ecológicos e, assim, defendem as chamadas tecnologias limpas. Também acreditam que a pobreza pode ser diminuída com mais crescimento econômico, ações assistenciais e diminuição do crescimento populacional. Enfim, são essencialmente conservadores.

Os liberais reformistas, por seus turno, defendem algumas ações corretivas, tais como: diminuição gradual da emissão de CO2; uso de combustíveis alternativos; certificações ambientais; reciclagem; desenvolvimento de tecnologias limpas; aperfeiçoamento da legislação e do controle ambiental. Apesar destes avanços, que são necessários, assim como os conservadores, os liberais reformistas não questionam o modelo econômico competitivo e os seus efeitos danosos: a elevada concentração da riqueza e a enorme degradação ambiental.

A corrente ecossocialista, antagônica aos liberais, tanto conservadores como reformistas, defende a necessidade de aprimorar as críticas ao conjunto de valores predominantes no mundo globalizado. Para Pelizzoli, o movimento pugna por uma nova ética na relação entre o homem e natureza e o desejo por novas relações globais a partir da ecologia levam à compreensão do que vem a ser o ecossocialismo enquanto uma corrente ambiental. Segundo ele, que faz uma síntese própria, a partir de sua participação no Fórum Social Mundial de Porto Alegre, em 2001, um ecossocialista defende as seguintes ideias: 1) a sociedade não pode se estruturar às cegas a partir da globalização econômica; 2) há que se repensar os valores e modos de vida que se balizam apenas pelas relações mercantis; 3) os impactos sobre o meio ambiente estão baseados numa noção de progresso oriunda das revoluções Científica e Industrial; 4) a democracia não pode ser só político-eleitoral, mas também econômica e cultural; 5) é preciso questionar firmemente as relações Norte-Sul, as dívidas externas do Terceiro Mundo, a dependência econômica dos países pobres e o sistema financeiro internacional; 6) é preciso questionar a intocabilidade da propriedade privada, do falso livre mercado, do lucro como principal motivo da produção e da sobrevalorização do individualismo; 7) é necessário apoiar as trocas de experiências entre os movimentos sociais espalhados pelo mundo; 8) é preciso defender as minorias, os movimentos e as organizações civis contra o racismo e os preconceitos; 9) é necessário lutar contra o patenteamento da vida e a propriedade intelectual privada, particularmente em relação à biodiversidade; 10) é preciso lutar pela reforma agrária e por uma política agrícola agroecológica; 11) é necessário questionar as privatizações no Terceiro Mundo, pois estão envolvidas em escândalos e têm diminuído o poder dos estados-nações; 12) o novo socialismo deve buscar a real democracia, a participação popular, a descentralização do poder, a solidariedade e o respeito à diferença; 13) é necessário impor regras à atuação do capital internacional, diminuir a má distribuição das riquezas e criar formas de participação social nas empresas e na economia. A sociedade civil organizada é o ator das mudanças necessárias para os ecossocialistas.

Existem muitos pensadores do ambientalismo que têm opiniões convergentes. O ponto de partida deles é a crítica ao tipo de civilização construído a partir do desenvolvimento econômico baseado na ciência e na indústria. Preocupam-se com os desequilíbrios que ocorrem com os seres humanos e a natureza por conta desse tipo de desenvolvimento. Eles buscam uma visão holística, integradora, que reintegre, religue harmoniosamente, os homens com o meio natural. Buscam a estruturação de uma ética holística.

O desenvolvimento da razão científica e instrumental, que é produto destacado da civilização ocidental, distanciou o homem da natureza e facilitou para ele a assunção de uma atitude dominadora em relação a ela. Ele acabou, então, subordinando o ambiente natural à sua vontade. O objetivo maior da corrente holística é recuperar a integridade do ser humano, refazendo a sua relação ecossistêmica com o mundo. Pelizzoli informa que as fontes desta corrente são do início do século XX, quando o Ocidente recebeu influências do pensamento oriental. A partir dos anos 50 do século XX, com os movimentos de contracultura, com o crescimento da crise ambiental e a ameaça nuclear, esta corrente ficou visível. O pensador mais conhecido desta corrente em nível mundial é o físico e ecólogo Fritjof Capra. No Brasil destaca-se o filósofo e teólogo Leonardo Boff.

Para Capra, a ecologia abrange um vasto campo: pode ser praticada como disciplina científica, filosofia, política ou como estilo de vida. Enquanto filosofia ela é conhecida como ecologia profunda, que se trata de uma escola fundada pelo filósofo norueguês Arne Naess no começo dos anos 70 do século XX. Naess distinguiu a ecologia rasa da ecologia profunda. A ecologia rasa é antropocêntrica, pois coloca o homem fora e acima da natureza, e a ecologia profunda não separa o homem dela.

Capra considera que o arcabouço científico mais adequado para o estudo da ecologia é a teoria dos sistemas vivos. A teoria dos sistemas trata-se de uma nova maneira de ver o mundo e também uma nova forma de pensar, que significa pensar a partir de relações. Esta teoria diz que todos os sistemas vivos compartilham propriedades e princípios organizacionais comuns. Para ele, uma relevante lição da abordagem sistêmica está no fato de se reconhecer a rede como o padrão básico de organização da vida. Os ecossistemas são teias alimentares (redes de organismos); os organismos são redes de células e as células são compostas por redes de moléculas.

O pensamento sistêmico implica, então, numa mudança de enfoque, de objetos para relações. Trata-se de uma ruptura com o modo cartesiano de enxergar o mundo e seus fenômenos. A divisão entre espírito e matéria que aconteceu após o cogito, ergo sum (penso, logo sou) de Descartes levou à concepção do universo como um sistema mecânico, que é composto por partes separadas que podem, então, ser analisadas separadamente. A ciência que foi produzida por conta desta separação criou atitudes antiecológicas. A razão ocidental é linear e fragmentada e os sistemas ecológicos são redes dinâmicas interligadas. Esta racionalidade não consegue captar a complexidade dos sistemas vivos e o resultado disto pode ser visto com muita clareza nas tragédias ambientais que se espalham por todo o planeta.

Leonardo Boff, o pensador brasileiro mais ilustre da corrente holística, ao analisar a modernidade científica e técnica, descobre por detrás dela o funcionamento de uma determinada filosofia: o realismo materialista. Ele a chama de realismo porque ela parte do ponto de vista de que as realidades existem independentes dos observadores. Para ele, não tem objeto sem sujeito e sujeito sem objeto. Também a chama de materialista porque ela pressupõe que a matéria é a única realidade existente. Para Boff, o bem comum não pode ser concebido apenas a partir do homem (antropocentrismo). A natureza e os seus ecossistemas também devem ser considerados. O bem comum deve ser de toda a comunidade terrestre com quem o homem com¬partilha o seu destino.

Em tempos recentes, com o crescimento do budismo, tem sido possível observar o surgimento e a expansão de uma forma de pensar as relações do homem com a natureza que se aproxima da corrente holística. O mais conhecido representante desta ética budista é o XIV Dalai Lama do Tibet que considera a insatisfação das pessoas, o apego e o desejo como grandes causadores de desintegração social e destruição ecológica. A leitura de sua obra permite concluir que, para ele, a ética fundamenta-se na compaixão por todos os seres. Talvez, a compaixão seja uma das maiores contribuições éticas do Oriente à humanidade. Dalai Lama sempre defende uma postura humilde e respeitosa em relação aos outros, humanos e não humanos, que pode significar o início de grandes mudanças num mundo tão dividido e tão conflituoso.

Pelizzoli também considera a importância da grande contribuição do filósofo e ecólogo Hans Jonas. Ele avalia que a sua postura é essencialmente ética, pois ele se preocupa com a necessidade de conter a força descontrolada dos homens. Para ele, Jonas introduz uma nova dimensão para a responsabilidade humana, que vai além da responsabilidade com os semelhantes. Ele fala da responsabilidade com a natureza. A vulnerabilidade da natureza sempre deve ser considerada. Não se trata de defender a natureza como autodefesa para evitar o sofrimento humano; é preciso pensar numa ética que inclua toda a natureza. Jonas mostra enfaticamente que o homo faber, aquele que domina e transforma a natureza, tem se colocado acima do homo sapiens, aquele que usa a inteligência e o bom senso. Então, também ele se lança contra a visão cartesiana predominante. A ideia de que a natureza existe por si, que ela é o que pode ser medido, cortado e modificado não pode mais prevalecer.

Quando fala sobre ética, sociedade e natureza a partir da Escola de Frankfurt, Pelizzoli afirma que esta corrente filosófica exerce influências sobre os movimentos de emancipação, de crítica ao poder e aos sistemas estabelecidos, apesar de ela não ter sido trabalhada no ambientalismo. Esta escola, que conta com pensadores do porte de Adorno e Horkheimer, desenvolve uma crítica profunda à sociedade unidimensional tecnocrática, onde os problemas sociais são abordados pela ótica da racionalidade científica, que caracteriza a filosofia positivista. Então, segundo estes pensadores, a realidade social, que é dinâmica e complexa, submete-se a um método universalizador e unitário, o método científico, Assim, os filósofos frankfurtianos acabam se distanciando do cientificismo materialista, da fé cega na ciência e na técnica como instrumentos da emancipação social.

Ironicamente, o pensamento frankfurtiano expõe à luz os aspectos sombrios da Escola Iluminista, importante corrente filosófica do século XVIII, que ressaltava o poder da razão contra as crenças obscuras do mundo medieval. A Revolução Industrial, como extensão da Revolução Científica, não conseguiu levar a cabo o sonho iluminista de bem-estar a partir do progresso. Pelo contrário, o preço do progresso tem sido alto, tanto para o indivíduo como para a sociedade.

Segundo Pelizzoli, esta corrente filosófica, em termos de ética ambiental, aproxima-se do pensamento ecossocialista, inclusive quando critica o marxismo ortodoxo, que também professa a mesma fé cega no progresso tecnológico que contaminou todo o mundo moderno e toda a história, que passou a ser a história do progresso, que começa no homem pré-histórico, chega ao homem cibernético e vai não se sabe para onde. Para que a história possa livrar-se da bola de neve do progresso é preciso abandonar a ideia de que a história é um continuum e também a concepção de linearidade do progresso da ciência e da tecnologia.

A ética ambiental pode alimentar-se de muitas fontes. As diversas religiões, por exemplo, podem fornecer subsídios para ela. Mas, para encerrar este assunto, é bom falar das relações entre a ética ambiental e a hermenêutica. No seu livro, Pelizzoli fala da ecoética a partir de uma postura hermenêutica. A palavra hermenêutica vem do grego e significa interpretar. Ela deriva de Hermes, Mercúrio para os romanos, o mensageiro dos deuses, criador da linguagem e da escrita. Para o autor, a hermenêutica implica que, antes de se conseguir uma explicação das coisas, que é a base do procedimento científico atual, deve-se compreendê-las em profundidade. O aprofundamento faz-se sempre necessário porque a investigação sobre uma realidade objetiva é passível de subjetividades. Esta compreensão profunda é necessária porque um procedimento meramente cartesiano pode ser restritivo, deixando de fora elementos que não cabem nos limites de uma determinada teoria ou nos moldes de um experimento laboratorial. Isto significa, então, que a ecoética hermenêutica apresenta-se mais como postura do que como sistema ou teoria.

O autor fala sobre a necessidade de um resgate hermenêutico de concepções da natureza. A palavra natureza tem sua origem no latim (nasci, nascor) e significa nascer, crescer, ser criado. Trata-se de uma visão processual da vida. A palavra grega para a natureza é Physis, que significa a natureza como um todo, incluindo aí os aspectos humanos. Phy para o grego significa germinar. A natureza era vista pelos povos da antiguidade como algo em movimento, como algo dinâmico. Para Pelizzoli, a nossa ideia de realidade ficou rígida, perdeu a conotação dinâmica. Para os gregos a técnica não estava separada dos processos naturais. Aristóteles considerava que a arte (techne) imitava (mimesis) a natureza. A Revolução científica, por outro lado, criou uma outra natureza, que virou produto de uma técnica; trata-se de uma visão reducionista. A construção da natureza tornou-se técnica. É preciso recuperar o significado natural da natureza, que diz que a Physis é um processo permanente e contínuo de nascer e morrer. Pelizzoli esclarece como se instalou esta visão reducionista e instrumental. A partir de Descartes (1596-1650), instalou-se no Ocidente uma visão reducionista e instrumental da natureza: o espírito (res cogitans - coisa pensante) é único e inteiro; as coisas materiais (res extensa - coisa material), ao contrário, são divisíveis; o espírito (o cogito - penso) é assim diferente e separado das coisas; o acesso à natureza dá-se pela de sua divisibilidade; cria-se uma divisão (sujeito - objeto), que fundamentará o progresso científico e tecnológico.

A abordagem hermenêutica sobre a ecologia serve para aprofundar a com¬preensão dos problemas causados pelo reducionismo cartesiano. Também serve para desmistificar a ideia de progresso sem fim através da dominação da natureza. A ecoética hermenêutica é mais uma postura do que um sistema ou teoria acabada. Neste sentido, ela chama as diversas correntes da ética ambiental para o diálogo, para a troca de experiências, para a busca de pontos comuns, na tentativa de construir um mundo melhor para todos os seres, indistintamente.

Referências
GALLO, Zildo. Ethos, a grande morada humana: economia, ecologia e ética. Itu, SP: Ottoni Editora, 2007.
PELIZZOLI, Marcelo L. Correntes da ética ambiental. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2002.

 
   
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