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É de graça! Sobre a necessidade da refazenda.

Lembro-me que, antes de me mudar com a minha família do meio rural do município de Borborema (SP) para a zona urbana de Americana (SP), no ano de 1963, eu nunca havia presenciado o comércio de frutas. Confesso que estranhei muito. Nos sítios, além das várias lavouras temporárias e dos cafezais, existiam pomares com grande variedade de frutas e, conforme cada época do ano, cada árvore frutífera oferecia a todos, de forma gratuita, os seus frutos. Trago na memória a época da jabuticaba, da goiaba e da manga, que eram as frutas que mais me atraiam. Por sua vez, mamões, bananas e melancias existiam o tempo todo, não eram frutas de época, não eram temporãs.

A partir do momento que passei a morar na cidade, a abundância frutífera e a gratuidade desapareceram. Demorou muito para me acostumar com o fato de que só comeria frutas se as comprasse na quitanda. Assim, por conta da pobreza, a minha alimentação piorou muito na cidade. Lembro-me nitidamente que havia no meio rural uma saudável troca de produtos entre os vizinhos, era uma troca permanente e rotineira. Até mesmo nas cidades pequenas tal fenômeno existia, pois era comum a existência de pomares e hortas nas residências urbanas. A gratuidade e a troca não mercantil ainda faziam parte do cotidiano das pessoas nos anos sessenta do século passado.

Hoje, quando a maioria esmagadora da população mora no meio urbano, as famílias perderam o hábito de cultivar pomares e hortas como antigamente se fazia e, por conta disso, o hábito da troca também desapareceu. Para muitos, esses hábitos chegam a parecer uma aberração, de tão comprometidos que estão com a ideia de que tudo tem um preço e que só é possível conseguir as coisas pagando com dinheiro por elas. A gratuidade parece algo pecaminoso, um pecado contra o mercado, contra a economia de mercado. Além disso, muitos se incomodam com a natureza no meio urbano, quem nunca ouviu alguém dizer que uma árvore frutífera suja a calçada? O afastamento da natureza é tal que muitas pessoas consideram folhas, flores e frutos como sujeira. Quem nunca viu uma senhora neurótica varrendo o tempo todo as folhas da calçada?

Vou contar uma história. Nos anos de 1988 e 1989, eu morei com minha família no bairro Santa Genebra em Campinas (SP). Ao lado da minha casa morava uma mulher neurótica por limpeza, que se incomodava demais com as folhas que caíam das árvores. Teve um dia que ele se irritou tanto e passou muito mal, tendo que ser internada num hospital. As folhas caíam e ela varria e, mal ela acabava de varrer, as folhas caíam de novo e ela retomava a varrição e assim sucessivamente... Ela não conseguia deixar a calçada livre das folhas e isso a deixava doente. A saída que sua família encontrou foi contratar um garoto que ficava atento o tempo todo às folhas cadentes para varrê-las de imediato. Parece loucura, mas foi assim mesmo que aconteceu.

Todavia, mesmo no meio urbano, é comum encontrar ruas ou áreas livres com árvores frutíferas plantadas. É provável que algum mie saudoso do meio rural e do estilo de vida gratuito tenha generosamente plantado as árvores para que qualquer transeunte pudesse delas se beneficiar. Trata-se de altruísmo verdadeiro, pois o benefício atinge os desconhecidos, incluindo aí os passarinhos e outros animais que também aproveitam as frutas da época.

A natureza tornou-se estranha para muita gente, muita gente mesmo, e será preciso que elas retomem o contato com ela para que, a partir daí, tornem-se suas defensoras.Muito do processo de destruição ambiental vem da ignorância das pessoas sobre a natureza e os fenômenos naturais. Fazer hortas domésticas e plantar árvores frutíferas nas casas, nas ruas e nos espaços públicos ajudam na interiorização do entendimento de que o alimento do nosso corpo vem da terra, da sua fertilidade, e que não tem nenhum problema ela nos oferecer os seus frutos gratuitamente, pois é assim que acontece na natureza selvagem, não controlada pelo mercado, pelo capital. Não é nenhum pecado apanhar uma fruta do pé e não pagar por ela. Meu Deus! colocamos preço em tudo...

Vou mais longe, pois considero que deveria ser uma política pública a disseminação de árvores frutíferas pelas praças, parques, ruas, avenidas escolas etc. Além disso, as prefeituras poderiam estimular nos habitantes o hábito do cultivo de hortas e pomares nas suas residências. Acho que a segurança alimentar dos cidadãos aumentaria bastante com isso e, mais importante ainda, esse poderia ser o começo da reconexão com a natureza, que é essencial no atual momento do planeta Terra. Estou sugerindo uma refazenda como aquela da belíssima canção de Gilberto Gil, que nos ensina que a vida vem em ciclos, nos moldes da natureza:

REFAZENDA

Abacateiro acataremos teu ato
Nós também somos do mato como o pato e o leão
Aguardaremos brincaremos no regato
Até que nos tragam frutos teu amor, teu coração
Abacateiro teu recolhimento é justamente
O significado da palavra temporão
Enquanto o tempo não trouxer teu abacate
Amanhecerá tomate e anoitecerá mamão
Abacateiro sabes ao que estou me referindo
Porque todo tamarindo tem o seu agosto azedo
Cedo, antes que o janeiro doce manga venha ser também
Abacateiro serás meu parceiro solitário
Nesse itinerário da leveza pelo ar
Abacateiro saiba que na refazenda
Tu me ensina a fazer renda que eu te ensino a namorar
Refazendo tudo
Refazenda
Refazenda toda
Guariroba

 
   
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