Coração acelerado em um ambiente solitário e silenciado, num dia qualquer, num horário qualquer. Num derradeiro gesto sepulcral, prepara-se para o ato fatal, abissal.
O verme já está instalado no coração afetado, dilacerado.
Ato de difícil compreensão, porque é preciso procurá-lo no coração, pois ninguém se suicida por reflexão.
Afugenta a lucidez num descarrilamento intelectual e emocional, neste complexo jogo mortal.
Desencontro dramático de si consigo mesmo, cujo único momento de encontro talvez fosse nesse ato sepulcral, quiçá confessional , em poucos últimos instantes precedentes ao final.
Render-se, baixar a guarda para a vida, entregar-se e confessar que por ela foi vencido, ultrapassado, carta fora do baralho. Abreviar-se voluntariamente pressupõe um reconhecimento, mesmo inconsciente, de uma ausência de uma razão profunda para viver. Sente-se um forasteiro de si mesmo, asilado em si , e o suicídio é o salto do desespero, do absurdo, do perplexo e do espanto.
Continuar a vida seria insultar a existência, talvez um julgar-se indigno de não corresponder a sofisticada complexidade existencial num viver medíocre, seria uma vida que não valeria a pena a ser vivida. Continuamente é uma aflição perturbadora, sempre ser consciente e lógico, logo os sentimentos profundos sempre significam mais do que tem consciência de dizer, de forma fugidia e Incapturável.
Sempre velados e recônditos, raras às vezes são desvelados, como se fossem as últimas páginas de um livro entre as primeiras páginas. Cansa-se de agarrar-se ao seu eu do qual se apodera, em insistentes e desgastantes tentativas de defini-lo, classifica-lo, conferindo-lhe uma imagem identitária vantajosa, exigência de um ego vaidoso, complexado e ao olhar alheio sujeitado.
Mas sempre seremos estranhos de nós mesmos, indefiníveis, incompreensíveis. Um eu desértico sem saber como viver nesse deserto sem encontrar nenhum pão, logo percebe que a vida inteira alimentou-se de fantasmas, de ilusão, porque a razão é impotente diante do grito do coração.