Efuturo: O governante

O governante

Oi, meu nome é João Gualberto, tenho 55 anos, casado e pai de duas lindas meninas, a Alice e a Dora. Há, sou avô de dois meninos, o Lucas e o Caio. Sou político, não por vocação, mas sim por escolha. Batalho na vida pública desde os meus dezoito anos. Para aqueles que pensam que a minha vida é uma maravilha, é porque não conhecem a minha história.
Meu pai tinha o mesmo nome que o meu, era um homem amargo e rude, carregava dentro dele uma grande mágoa dos irmãos mais velhos e de algumas pessoas que cruzaram a vida dele enquanto vivo. E esse desgosto fez dele um homem sem sentimentos. Raras foram às vezes em que ele me abraçou e disse que me amava. Coitada da minha mãe, mesmo aos onze anos eu já entendia que a relação entre eles não era nada boa, brigas e discussões intermináveis, pedidos de separação negados por parte dele e ameaças de ir para nunca mais voltar da parte dela.
Se eu cresci em um lar cheio de desavenças? Não, lá tinha muito amor. Minha mãe sempre me tratou bem, me deu tudo do bom e do melhor e disso eu não posso reclamar. O problema era o meu pai, um poço de maldade. Um sujeito capaz de tudo para conquistar as coisas.
João Gualberto, meu pai, era político, assim como eu sou hoje. Mas com uma diferença gritante. Ele era corrupto e eu honesto, somos o oposto um do outro e isso eu percebi aos doze anos de idade, quando eu encontrei uma carteira jogada na rua. Falei que ia devolver para o dono e ele disse que o dono tinha é que se ferrar. Nada falei e ficou por isso mesmo, eu querendo devolver e ele tirando a carteira das minhas mãos e enfiando no bolso de trás da calça, agindo como se aquilo fosse à coisa mais normal do mundo, mas não era.
Meu pai foi prefeito e governador do Estado; tentou ser presidente três vezes, mas nunca conseguiu ir ao segundo turno. Devo confessar o velho era um excelente administrador, mas pecava na má fé pela qual geria suas administrações. Várias foram às denúncias de corrupção em que ele se envolveu, e a cada vez que algum repórter lhe indagava sobre o assunto, ele dizia que tudo aquilo não passava de armação de seus opositores.
E eu convivi com isso durante muito tempo da minha vida, até a morte dele. Lembro-me muito bem daquele dia, uma sexta-feira chuvosa. Meu pai fazia campanha para à presidência da república. Era uma carreata, eu, meu pai e minha mãe, os três em cima de um carro; meu pai acenando e distribuindo àquela pobre gente seu sorriso forçado, minha mãe, coitada, também acenava e sorria, mas por dentro dela uma tristeza enorme lhe corroía o peito de tanta amargura pelos últimos acontecimentos.
O carro prosseguiu o trajeto em baixa velocidade, um grupo de vinte seguranças acompanhava por terra, mas nenhum percebeu o exato momento em que um louco conseguiu furar o bloqueio e atirou três vezes nele. Meu pai caiu de costas, sua cabeça bateu com tudo no assoalho da plataforma onde a gente estava. Sangue e fezes, meu pai tinha borrado as calças, seus olhos estavam vidrados, ele me olhou e me puxou para si. De sua boca saíram uma de suas ultimas palavras.
- Honra o meu nome. – Disse ele, enquanto lágrimas desciam em seu rosto. O sorriso outrora forçado tornou-se verdadeiro por um instante. Seus olhos foram se fechando aos poucos, assim como vão se fechando as cortinas de um espetáculo de tragédia.
Segundo capítulo
Senti aquele cheiro de merda misturado com o terrível odor da morte por muitos anos. Odeio lembrar aquele dia. Em todos os aniversários da morte dele eu sonho com aquela imagem, meu pai ensanguentado, lavado em fezes e várias pessoas em cima dele. Eu parado na frente dele com os olhos arregalados e a minha mãe, coitada, ajoelhada ao seu lado, o rosto magro e branco, um fantasma.
Meu pai ali, sorrindo, cheirando à bosta e praticamente morto. João Gualberto, meu pai, foi enterrado com honras de chefe de Estado. Inúmeras autoridades compareceram em seu sepultamento, eu sempre ao lado de mamãe recebíamos as condolências, eu sem entender nada daquilo, já que a ficha não tinha caído até então.
Papai foi enterrado no mausoléu da família Lima, sim sou um Lima, João Gualberto de Lima Filho, candidato à presidência do Brasil, honesto, trabalhador, marido, pai e avô dedicado à família. Nunca me meti em nada de ilícito, sou um homem limpo em todos os aspectos, sou um exemplo de cidadão.
Terceiro Capítulo
Dia de eleição, acordo cedo como de costume. Tomo um banho visto meu terno e vou para a sala de jantar tomar café da manhã com a minha família; minha esposa, filhas e netos estão presentes, todos devidamente sentados e em silêncio. Sento-me na ponta da mesa, encho uma xícara com café e começo a cortar um pão, todos me olham, mas não falam nada, eu também não estou a fim de conversa, só quero me concentrar, pois o dia será longo e eu preciso estar preparado para qualquer eventualidade.
Uma coisa fica martelando minha cabeça. Será que finalmente irei alcançar o cargo tão almejado por meu pai? Ou fracassarei igual a ele? Experiência eu tenho de sobra; fui prefeito, governador, deputado, vereador, passei por praticamente todos os cargos políticos, só não fui senador, ministro ou secretário de governo, ofertas para ministério eu tive várias durante minha vida pública, mas sempre as recusei de bom grado.
Fim da votação. Tranquei-me em meu escritório e fiquei sentado, precisava de sossego, por isso pedi para não ser importunado, acontecesse o que acontecesse. Estava tão concentrado que mal ouvi o barulho na sala e o choro da minha mulher, eu tinha ganhado a eleição, no primeiro turno com uma votação expressiva.
Fui em direção à janela, afastei a cortina e pude ver centenas de apoiadores, todos em festa e com sorrisos largos em seus rostos, voltei meus olhos para o céu e observei as estrelas, comecei a pensar em meu pai, um homem amargo, rude, e sem coração, um homem que viveu na vida pública não para ajudar ao próximo, mas sim, para ter benefício próprio, e nesse aspecto nós éramos bem diferentes.
Ao abrir a porta do meu escritório meus netos, Lucas e Caio vieram em minha direção, ajoelhei-me para abraça-los, ganhei beijos no rosto e senti lágrimas escorrendo na minha face, olhei e vi minha esposa e filhas sorrindo, meus genros faziam o mesmo, peguei os meninos no colo e eles vieram em minha direção, foi um longo e demorado abraço, uma união que eu nunca tive com meu pai, infelizmente. Estava pronto para o maior desafio da minha vida, ser o maior governante que esse país já teve.