Efuturo: LADEIRA DA MEMÓRIA

LADEIRA DA MEMÓRIA

Desço a Ladeira da Memória.
Percebe-se ali um pequeno obelisco,
sem inscrições, sem homenagem,
mas de chegar perto sinto,
esta cidade escorreu pelas ladeiras
e impregnou a sua gente com as dores do
caos,
do sem sentido,
imensa cabeça de cão
que se forma no desenho de seu contorno.
São Paulo não tem raça.

Sigo a multidão rumo ao metrô Anhangabaú.
Paro, volto e reparo na peça.
O obelisco é dos idos de 1800.
Aqui tropeiros passavam com suas mulas
e o caminho para Sorocaba estava aberto.
Final do século XIX
e da Ladeira da Memória
vislumbrava-se um oeste de sonhos,
e as lavouras de chá
do vale do Anhangabaú .
Respiro fundo e, que engraçado,
o que era chá da India hoje forma a avenida Nove de Julho
e também entre as plantações,
a bandeira republicana tremula
na atual praça da Bandeira
enquanto galos gorjeiam pelo ambiente.
Galos, galos com seus cantos amplificados:
o som das catracas do metrô.
Grande delírio!
Meu destino é a estação do metrô
Barra Funda.
Saio de perto do obelisco,
esporão do tempo fincado em São Paulo.


DO LIVRO: "A CIDADE POSSÍVEL"