Efuturo: Ventos do Leste/ Coleção Contos

Ventos do Leste/ Coleção Contos

Numa noite densa e fria as nuvens tinham trazido uma limpeza cósmica, quase inquietante. Porque quando olhei para o céu vi inúmeras estrelas que piscavam e brilhavam incessantes e fiquei maravilhada.
Nesta noite eu agradecia por tudo que vivi e pelas pessoas nas quais me amavam. Eu sabia que era o fim. Eu já tinha vivido e planejado tantas coisas que nem sabia ao certo se tinha ou fosse realizar.
Uma família tribal de crenças enraizadas na força das terras. Esta era minha família.
Muitos tinham feito à passagem e não reclamaram. Eu não seria a primeira. Seria forte como vim e seria forte para deixá-los. Assim seria.
Um olhar intenso e fixo nas estrelas como se aquele momento seria a última vez. Dei adeus a tudo que mais amei e me entreguei porque na clareza dos meus pensamentos eu estava pronta. Mas, me enganei. A passagem era mais difícil do que eu poderia esperar.
Porque eles não me deixavam ir.
Tudo era tão claro para mim e tão simples. A passagem estava lá e tudo que eu via era um clarão que me cegava. Então recuei e olhei para trás. E não deveria, se eu quisesse seguir em frente. Mas, uma voz lamentável me fez virar e olhar pela última vez. Então me virei.
E vi todo o meu passado diante de mim. Havia muitos erros cometidos e muitos acertos em rascunhos que certamente nunca mantive atualizado dentro de mim. Um homem esticava suas mãos para me segurar de um abismo que eu mesma criei. O outro estendia minha vida, mas ela não me possuía mais.
As duas escolhas estavam dispostas, mas só uma me salvaria.
Então olhei pra baixo e vi o antigo paraíso verde, a cidade de ouro e os fios despencados das árvores em pura prata. As cachoeiras de águas límpidas e sabia então que de onde eu contemplava as estrelas eu não mais pertencia. Tudo que me restava era absolutamente escolher o lado certo e viver plenamente nele. Porque a alma nunca morre.
Quando olhei em direção a passagem, o estreito canal tinha de desmanchado e tudo que existia a meu ver era um vazio penetrante do nada.
O nada também me ensinou seu valor. E do nada tudo eu poderia criar. Talvez um mundo novo.
E o nada prevalecia que doía em solidão. Então pedi estrelas. E elas surgiram.
E ousei em pedir meu mundo de volta porque eu me encaixava nele e ele sempre fora perfeito pra mim.
E todo o verde ofuscante se ascendeu, o barulho dos pássaros e o desmanchar das águas sobre as rochas. Tudo fora se aperfeiçoando conforme eu via o que faltava. Mas, enquanto a vida de tudo se iluminava eu me sentia frustrada. Porque a minha própria estava ausente. E isso, não me pertencia. A escolha fora feita.
A beleza de tudo e as cores se formando em caracóis tinham voltado. E eu queria estar em casa novamente. Como eu queria.
Não sei como, mas eu me vi deitada num chão de terra na travessia, próximo às aldeias. Eu estava sozinha e abandonada.
Um homem se aproximava de meu corpo e eu queria me proteger. Mas, era impossível. Ninguém podia me ver.
Meu corpo foi levado e eu segui aquele homem.
Ele me levou para a aldeia e outras pessoas se juntaram. Era minha família. Eu agora conseguia ver os rostos de cada um deles, seus verdadeiros sentimentos, a sintonia que perdia em vida. Tudo que deixava passar sem me interessar.
A energia que me puxava para voltar era apenas pra me entregar e me ver como deveria ser vista.
Entendi naquele instante que muitas pessoas das aldeias estavam morrendo por uma febre misteriosa e eu fui vítima nos anos setenta. Tanto tempo tinha se passado e eu voltava por consequência todos os anos no mesmo lugar.
Minha vida tinha se esvanecido por mais tempo que eu entendia e só uma coisa me fazia voltar. A chance que perdi em não chegar a tempo em casa naquela noite.
Em 07 de setembro de 1870 eu morri quando caminhava pelas estreitas margens antes de chegar às aldeias Forest. A jovem apenas escreveu mediante as informações que conseguiu e que pesquisava, mas toda a verdade eu sei que nunca será tão escrita.
Meu corpo só fora achado muito tempo depois que minha família adoeceu e devido à doença foram embora.
Meu registro ficou guardado como Joliet Paloi. Morta aos dezessete anos de idade devido à febre. Encontrada por caçadores que visitavam e que matavam cervos. Esta foi toda a minha vida. E foi o que me deixou triste. Algumas frases que descrevia sobre mim. E não foi tudo.
Minha família tinha percorrido tantos lugares que nos convés durante as viagens eu ficava imaginando o que havia por trás de todo aquele mundo escuro e sombrio por trás das estrelas. Certamente meu mundo parou para sempre no que eu mais amava ver. E todas as outras coisas nas quais criei foram projéteis da minha própria imaginação.
O vento do leste assoprava forte e eu segui flutuando em direção a outros universos. Adiante estava o que deveria nascer novamente e eu seguiria aquele curso.
Ao desprender-me do passado e deixar que a brisa levante pudesse me envolver num mundo perplexo e cheio de magias como eu o via.
Talvez, um dia pudesse despertar desse paraíso e seguir para outro na qual me faria à vontade mais extrema, sentir e tocar.
O toque aveludado das imensas coisas que perdi. E o sentimento que deixei passar despercebido pelo tempo que só agora entendo que é infinitamente maior que tudo.
Lá o tempo era limitado e todas as coisas tinham que ser marcadas. Aqui o tempo é tudo que sonha e tudo que cria.
A vida começa quando se deixa se levar, quando o tempo se torna precioso em cuida-lo e molda-lo. Quando tudo parece ser sem regras e a morte sequer assusta.
A claridade dos olhos se dissipou, a cegueira foi embora e tudo que eu consegui enxergar fora a abertura de volta pra casa.
Agora, os dois homens me segurava em cima de uma estreita abertura como num canal. Eu ouvia o assoviar dos ventos do leste que me chamava para continuar. E eu continuei e cheguei onde eu deveria chegar.
Do topo das montanhas deixei o último olhar. O último adeus. E fui me encontrar com todos os que eu perdi, mas que naquele mesmo instante eu encontraria.
Minha família.
Eu agora estava em casa.