Efuturo: Esboços a carvão numa manhã muito cinzenta

Esboços a carvão numa manhã muito cinzenta

Os náufragos estão pedindo socorro em voz baixa. Ou já não têm mais esperanças de salvação, ou se acostumaram com o sal e a água fria da solidão. Não os ouço daqui e nem ouvi quando cheguei mais perto. Vi, olhos nos olhos, um pouco de desespero. Ou talvez não fosse desespero, mas apenas o olhar parado dos que não encontram eco. Talvez o desespero fosse meu refletido naqueles olhos parados. E por que eu me desespero quando não consigo ouvir o grito dos náufragos? A corrente fria os carrega como detritos, galhos secos, peixes podres. E eles não esboçam nem uma braçada no mais básico estilo. Apenas navegam sem vela, sem leme, sem destino. “Faça primeiro um contorno, seu contorno não está correto, não corrigirei isto se você modelar antes de ter seriamente fixado o seu contorno”. Van Gogh, quieto, pensava em como eram chatos e aborrecidos os resultados dessa lição. Quieto no seu canto, vinte vezes pensou em dizer: “Vosso contorno é um truque...” Mas ficou calado e, mesmo assim, os professores o irritavam e eles os irritava. No trabalho, ele pegava no leme, abria as velas com garra e determinação e gritava nas telas seus amarelos, seus vermelhos, seus azuis profundos. Grite amarelo, por favor. Quero ouvir sua voz lá no meio da mais medonha tempestade, para que possa me jogar na água e oferecer a mão como salva-vidas. Ou jogar palavras de ânimo, de entusiasmo, de motivação. Grite vermelho, se quiser. Grite azul profundo, mas grite. Misture tudo, mas grite. Não deixe que um azul muito tênue ou um verde bem desmaiado carreguem seus olhos para longe. Ou que colem seus braços junto ao corpo num gesto de desamparo total. Ataque diretamente a tela com tintas que exprimam, por elas mesmas, o ritual sagrado da vida. Corot, alguns dias antes de morrer, previu: “Esta noite eu vi em sonhos paisagens com céus todos cor-de-rosa”. E eles vieram mais tarde, não só cor-de-rosa, mas verdes e amarelos fluindo da paleta dos impressionistas.

Rui Werneck de Capistrano, Escrevendo adoidado pra não endoidar, Clube de Autores.