Efuturo: O Carvalho e o Lobo/ Coleção Contos

O Carvalho e o Lobo/ Coleção Contos

Onde tudo é silencioso, nas profundezas de um bosque ou numa clareira na floresta, rezam os sábios homens da antiguidade que guardam um tesouro. Um valor inestimável, onde os denodos dos monges e seus pensamentos foram resguardados por suas devoções. Onde nada absolutamente foi alterado pela força das presenças mágicas.
Lá onde os raios do sol são inalcançáveis, onde os antigos druidas iam adorar e suas preces sussurradas levadas pela brisa, voltavam como num beijo de fadas.
As doces litanias invocadas ao redor das pedras e a densa noite no meio do dia.
Um dia o carvalho solitário sentiu-se deslumbrado pelas intensas visitas dos druidas em especial um. Um eclesiástico fiel na qual zelava por aquele espaço.
Aquele dia Gardan foi sozinho. Um homem ainda bem jovem, mas que aparentava grande sabedoria.
O carvalho escondia um enorme segredo e era a vez, talvez a única vez de compartilhar. Sabendo que o jovem rapaz sempre vinha em três.
No momento que sentiu a presença de Gardan o espaço sagrado de gigantescas árvores e plantas que cobriam todo o céu ficaram agitados. Mas, nenhuma luz passava pelas frestas das copas.
O rapaz olhou para cima e juntou as mãos como numa prece. – Meu pai; estou aqui novamente, obrigado pela sua presença. E um vento suave tocou seu rosto. Mas, não como as outras vezes, desta vez o toque foi mais forte. E ele sabiamente sentou em uma das pedras e conversava com seus pensamentos. Pedia orientação, direção, humildade e muitas outras qualidades.
Uma voz sussurrou detrás do carvalho.
— Peça algo na qual não tem.
— Como?
— Sua essência.
— Quem está falando?
— Sou eu. O carvalho. Todos os seres contém um espírito.
— Eu devo estar ficando louco.
— Não.
E Gardan levantou-se. Os ecos dos pássaros cantavam ao longe e ele pôde ouvir o som do seu coração batendo.
Algo apertou seu tórax e quase o matou.
— Por que está fazendo isso?
— Eu vou te contar um segredo, sei que você é digno de compartilhar e tudo vai mudar sua vida.
— Eu não preciso saber sobre esse segredo, eu não sou digno.
— Sim. Você é.
Então como num sono muito profundo ele adormeceu.
Os tempos não eram iguais. Era a idade megalítica. De milhares de anos atrás.
Gardan achava que estava num traje diferente, embora visse seu próprio eu deitado no mesmo lugar em tempos atrás, mas o sono o confundia.
Foram tempos de grandes lutas principalmente com animais selvagens. A luta pela sobrevivência e pelo que também vestiam.
Ele via um homem carrancudo de semblantes rudes e pés descalços. Uma lança e uma tocha acesa.
Nunca esteve só. Nem sempre fora um sacerdote fiel.
Nas mãos banhadas de sangue daquele homem havia não só o sangue de animais, mas de outros semelhantes.
Sujo e desleal com sua própria imagem fazia de sua vida todas as batalhas serem de grande valor. Agora num sono projetado via o seu passado e seu presente. E não conseguia entender a causa daquele segredo compartilhado.
Uma lança atravessou-o e num impulso entre a visão e o sono sentiu quase com exatidão, a dor daquele instante. A fagulha do passado ainda doía em seu peito porque nada no tempo foi alterado. E naquele dia ele iria saber. Ele tinha que entender.
A vida nem sempre foi leva-lo ao um retiro e devotar sua confiança, sua fé. Como se tivesse nascido limpo. A vida traz memórias e nessas tradições tudo teria que ser correto.
O mundo de Gardan gelou. Ele então sentiu o frio da morte penetrar seu corpo e sua alma clamava por retenção.
O carvalho ainda achava que aquele rapaz precisava compreender tudo que devia. Ou não alcançaria o nível que buscava em sua caminhada. Se ele queria conhecer o desconhecido teria que senti-lo na pele.
Com os olhos do espírito via o que de fato o corpo sem vida mergulhado numa possa de sangue fora seu antepassado.
Um lobo aproximou-se, porém, ainda meio atordoado viu que todos foram embora.
O carvalho acordou-o.
E Gardan sentia um cansaço físico horrível.
— Por que eu tinha que entender que meu passado fora um desastre?
— Porque sua alma se perdeu no tempo e nada fora alterado.
— Mas, nós evoluímos sendo homem?
— Você agora é um iniciado e sua origem não veio desta vida. A casca é só uma casca.
— Eu compreendo agora. Estagnado pela obstinação do carvalho.
— Sim. Seu totem retornou. E para sempre Gardan.
Gardan focava no homem no início e entendia que a evolução só era uma forma de conhecimento, porém, sendo homem. Mas, precisa se viver de inúmeras formas para compreender o que de fato é o progresso da alma.
As risadas grotescas e inquietantes vinham e iam para todos os lados e quando o jovem rapaz olhou para o céu ele entendeu que o carvalho tinha prendido o no sono até o entardecer.
A noite caiu intensamente escura e nada conseguia enxergar, nem dois palmos de distância.
Procurou um lugar pra olhar o céu e ver onde estava a lua. E viu que não conseguia andar muito, logo a clareira de luz seguia um rastro fino e viu que era lua cheia.
Olhar para a lua seria a conexão entre os laços desse mundo depois do contato com o carvalho e o sono estranho.
A luz da lua começou a deixar seu corpo esquisito e alguma coisa mudava de forma rapidamente.
Seus olhos captavam numa distância onde os pequenos ruídos davam pra ver como numa foto negativo algo para engolir. Suas narinas sentiam presas despercebidas e seus ouvidos apressava a percepção de perigo.
Em segundos tudo pareceu estar definitivamente no passado. Sua longa pata dianteira se forjou a frente com enorme impacto e saiu apressadamente correr pela floresta, nas partes mais sombrias onde em vida humana nunca ousou entrar.
Sentia uma liberdade estranha em saltar animadamente pelas trilhas estreitas e uma fome gritante que fazia os uivos penetrarem até os mais rasos rios que se escondiam no fundo do bosque.
Naquela noite conheceu seu passado, buscou o desconhecido e trouxe a liberdade.
Nas noites escuras descansava sobre o carvalho e se sentia em casa novamente.
Esse foi o segredo compartilhado, mas para Gardan fora tudo.
Porque tudo agora estava completo.
Porque a lança do passado teria o encontrado e com o segredo tudo seria mudado.